As relações internacionais de Emil Clemens Scherer

1935

Emil Clemens Scherer nasceu no dia 1º de maio de 1889, em Mutzig, na província de Elsass. Considerado território alemão na época, a região foi marcada por intensos conflitos.  

Scherer frequentou a Escola Secundária Episcopal de Estrasburgo, próximo a fronteira da França com a Alemanha. Como desejava ser missionário, em 8 de setembro de 1907, aos 18 anos, ingressou como noviço no convento do Sagrado Coração de Jesus em Hiltrup, no Noroeste da Alemanha. Dono de um temperamento forte, voltou para casa após quatro meses. Durante este período obteve aprovação no Abitur, um exame de ingresso ao ensino superior. 

Com a qualificação, Scherer iniciou o seminário e, simultaneamente, a faculdade de Teologia na Universidade de Estrasburgo. Em 1912, empreendeu uma pesquisa com o tema “Os Bispos de Estrasburgo na Controvérsia da Investidura”. Os resultados serviram de base para o seu doutorado, o qual não conseguiu concluir naquele momento devido a eclosão da I Guerra Mundial. Mas, de maneira excepcional, com apenas 25 anos, conquistou o subdiaconato em 4 de agosto de 1914.

O seu acesso à ordem sacra deveria levar meses, mas os interstícios das leis canônicas foram cumpridos em menos de um dia, devido ao conflito bélico que acabara de iniciar. Batalha, inclusive, que Scherer conheceria de perto ao servir o corpo de saúde no exército alemão. 

Trocando os fronts pelo sacerdócio, em abril de 1917, tornou-se capelão em Barr, uma pequena cidade instalada a cerca de 20 quilômetros ao sul de Mutzig, na Baixa Alsácia. Localidade que, ao final da I Guerra Mundial, passaria aos domínios da França.

Scherer não era apenas padre. Forjou-se como pesquisador, um intelectual de respeito. Tanto foi que, em 1932, recebeu da Conferência Episcopal da Baviera, sediada em Fulda, a responsabilidade de assumir a função de secretário-geral da “Associação do Reich para Alemães Católicos no Exterior”, entidade ligada ao Ministério das Relações Exteriores. Scherer já atuava como editor do anuário desta instituição. Depois, também coordenou o jornal “Os fiéis”, por onde manifestou a sua admiração pelo líder do partido nazista.  

Em dezembro de 1933, o padre-pesquisador se encontrou com Adolf Hitler para declarar voto de lealdade ao seu trabalho. 

A “Associação do Reich para Alemães Católicos no Exterior”, que utilizava a sigla RKA, foi criada em 1918 com a missão de reconstruir a igreja no pós I Guerra Mundial. Com apoio do governo, enviava recursos para diferentes países visando amparar católicos de sua nação. Mais tarde, o Estado alemão exerceria controle sobre essa população por meio de propaganda. Embora com objetivos distintos, parte da Igreja Católica Alemã e o governo nazista se complementaram, e Scherer havia se tornado um dos principais agentes daquela operação.


Na imagem, Emil Clemens Scherer aparece junto ao bispo D. Heckel, chefe da Igreja Evangélica Alemã para o Exterior. O registro foi feito em 1935, durante uma conferência. As duas igrejas alemã, a evangélica e a católica, desenvolveram um intenso trabalho naquela fase. 


No cargo, o padre circulou por diversos países, sobretudo, no Sudeste da Europa. Suspeita-se que naquele período tenha se aproximado da Organização São Bonifácio, a qual também prestava assistência espiritual aos católicos alemães instalados em outros países. São Bonifácio é padroeiro da Alemanha e teve o seu corpo sepultado em Fulda, cidade que sedia as reuniões do episcopado até os dias atuais.

Scherer teria sugerido que os recursos da Associação do Reich deveriam ser distribuídos por meio da Organização São Bonifácio, de modo que suas atividades não fossem vistas pelas autoridades estrangeiras como subsídios de propaganda política do programa nazista. Mas, acontecimentos inesperados deram novos rumos à representatividade de Scherer perante à Igreja Católica alemã.

Em 1932, o ex-ministro da Justiça, que havia sido vice-chanceler da Alemanha, Erich Koch-Weser, na condição de presidente da Sociedade de Estudos Econômicos Ultramar, convidou o jovem engenheiro agrônomo, Oswald Nixdorf, para desenvolver novo projeto no Brasil. Depois de dialogar com diretores da Paraná Plantations - subsidiaria da Companhia de Terras Norte do Paraná, com quem analisou opções para o assentamento de colonos alemães, decidiram por uma área próxima à cidade de Londrina. 

Nixdorf era natural de Bremen, porto alemão conhecido pela estátua do herói lendário “Roland: o cavaleiro”. Assim, aquela área em solo paranaense foi denominada de Roland, colônia que mais tarde teria o seu nome adaptado para Rolândia. 

Nesse meio tempo, a situação na Alemanha ganhava novas dimensões conforme o Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores, conhecido como Partido Nazista, ganhava espaço. Liderados por Adolf Hitler, que chegou ao poder em 1933, as perseguições políticas, religiosas e raciais em terras europeias foi alterando o perfil do imigrante do Norte e do Noroeste do Paraná.

Perante ao risco da evasão de divisas, o governo nazista impôs restrições à saída de capitais do país. A partir de 1934, cada cidadão poderia emigrar levando consigo apenas 1.000 reichsmarks, o Marco do Reich - moeda nazista. Com a imposição, o modelo da velha permuta foi reinventado. Conhecida como operação triangular, tratou-se de engenharia financeira criada por agentes privados, de forma lícita e permitida pelo estado, para quem quisesse deixar a Alemanha e pudesse carregar algum recurso financeiro. Antes da partida, adquirisse títulos ferroviários das indústrias nazistas e, ao desembarcar no Brasil, estes papeis eram trocados por lotes distribuídos pelas propriedades da Companhia de Terras Norte do Paraná. 

Ao vasculhar registros históricos, descobriu-se que Emil Clemens Scherer foi preso em outubro de 1936 pela Gestapo, a polícia secreta nazista. Ficou detido por curto período em Berlim após ser acusado de contrabando monetário. A escassez documental não permite compreender a abrangência daquela denúncia. Restam, então, algumas hipóteses, das quais duas parecem mais plausíveis: Scherer estaria ajudando conterrâneos a deixarem a Alemanha ou, ainda mais complexo, estaria desviando recursos da Associação do Reich, entidade da qual era secretário-geral. 

Pela representatividade, a sua libertação se deu por intermédio do ministro das Relações Exteriores, Konstantin Freiherr von Neurath, autoridade que determinou sigilo sobre o caso. 

Foi somente em agosto de 1937 que o padre voltaria a aparecer em público, quando já havia grande sinal de alerta sobre ele. Isto porque no início daquele ano as investigações que resultaram em sua prisão ganharam as páginas da imprensa estrangeira. Movimentando-se com insegurança desde então, o clérigo foi para a Suíça e, depois, para a Itália, onde por pouco não foi detido novamente em Roma. Avisado por representantes da Santa Sé, embarcou para a América do Sul. Durante a viagem, foi substituído, abruptamente, pelo padre Albert Büttner na secretaria-geral da Associação do Reich. Por fim, Emil Clemens Scherer teria renunciado formalmente ao cargo.

A sua entrada ao Brasil se deu pelo Rio de Janeiro, em fevereiro de 1938. Depois de alguns dias, embarcou em um avião rumo a Santos e, de lá, seguiu ao Rio Grande do Sul. Scherer teria vindo para uma viagem de reconhecimento, em missão oficial, tendo ainda passado pela Argentina, Uruguai e Chile. Com a destituição do cargo, o padre perdeu força e representatividade como emissário da Igreja Católica. A indisposição com o partido Nazista o fez seguir para novas terras para conquistar outros espaços. Mas a forma como o alemão fez isso quase colocou fim a sua liberdade. 

Logo depois da viagem à América do Sul, Scherer retornou à Europa e esteve próximo ao suíço Eugen Wildi, que era advogado, espião e agitador político. Entre maio e julho de 1938, Eugen adquiriu três lotes da Companhia de Terras Norte do Paraná na Gleba Pinguim. Ao todo foram 230 alqueires situados na ainda incipiente cidade de Maringá. Aquela compra foi liquidada por meio da operação triangular. 

Em setembro daquele mesmo ano, esses lotes foram transferidos a Emil Clemens Scherer, personagem que sofreria um revés definitivo no Velho Mundo. No dia 8 de novembro de 1938, uma batida descobriu 25 mil francos suíços em barras de ouro na residência de Eugen Wildi, que alegou ter sido apenas o fiel depositário do padre. Novamente detido, mas julgado dessa vez em Colmar, na França, Scherer foi condenado a cumprir uma longa pena na prisão. 

Naquele ponto não havia escapatória: pediu refúgio e se mudou para o interior do Brasil. 

Embora tivesse sido preso em outra oportunidade, Eugen Wildi passou ileso daquela acusação. O advogado suíço integrava uma complexa rede que articulava a independência da Alsácia. Scherer parecia fazer parte deste grupo que era liderado por Robert Ernst, um líder estratégico da Alemanha nazista. Com muitos recursos à disposição, os autonomistas, denominação daqueles que buscavam a reintegração da Alsácia ao território alemão, investiam em projetos políticos e religiosos nesta região. 

É sabido que a Companhia de Terras fez grandes investimentos em campanhas publicitárias por todo o mundo com o objetivo de atrair investidores e operários para o seu empreendimento. Logo, para Scherer, comprar lotes nessa região seria bastante conveniente. Sobretudo devido aos vínculos que haviam sido estabelecidos por intermédio da rede a qual fazia parte.  

Desprestigiado, condenado e receoso, não restaram alternativas. Foi assim que no início de 1939, o padre alsaciano se mudou para o Brasil. Suspeita-se que antes de se instalar em Maringá, passou certo período em Rolândia, onde teria sido recebido pelo seu conterrâneo Johannes Schauff, ex-político com quem havia tido contato na Itália, durante missões eclesiásticas. 

No Norte do Paraná, Schauff havia criado um centro de adaptação para jovens católicos. Comercializando lotes para a Companhia de Terras, intermediou a vinda de mais de 70 famílias para o Brasil. Mas qual a origem dos recursos do padre alemão para a aquisição dessas terras no distante território brasileiro? 

Sem comprovações que atestem a existência de posses por parte da família Scherer, os diários do cardeal Michael von Faulhaber, então arcebispo de Munique, registraram que aquele negócio teria sido financiado pela Organização São Bonifácio. Mas outra possibilidade existe: Robert Ernst teria doado fundos para Scherer desenvolver um projeto de assentamento no Brasil. Esta também era uma forma de garantir refúgio para a sua família, em caso de emergência. 

Não à toa, o padre utilizou intermediários e representantes em suas transações com a Companhia de Terras. A rede de confiança que Emil Clemens Scherer havia se vinculado na Europa foi expandida para o interior do Paraná. 

Instalado em Maringá, Scherer foi visto pelas autoridades brasileiras com desconfiança. Em todo caso, tornou-se líder do jovem povoado e capitaneou obras significativas, como a construção da Capela São Bonifácio, em sua fazenda, a primeira da localidade, e a Capela Santa Cruz, a primeira do núcleo urbano.

Enfrentando dificuldades e embates com demais representantes eclesiásticos enviados para Maringá, Scherer partiu para São Paulo em 1954. Depois de 15 anos, o padre alemão deixou a terra que ajudou a consolidar no interior do Paraná. Do Brasil, retornou à Alemanha, onde manteve o espírito aventureiro. 

Scherer adoeceu gravemente em outubro de 1967, logo após regressar da última peregrinação à Palestina, e morreu em 30 de agosto de 1970, aos 81 anos. O seu funeral ocorreu no dia 2 de setembro, na abadia de Metten, cidade que residia. A cerimônia foi feita pelo abade Paul Augustin Mayer. Enterrado no cemitério comum da cidade, cinco anos depois, o seu corpo foi transferido para o mosteiro em que passou os últimos anos como oblato.

Para mais informações, assista ao documentário "Scherer: do nazismo à terra vermelha". Basta clicar AQUI

Fontes: documentário "Scherer: do nazismo à terra vermelha" / Acervo Maringá Histórica / Acervo JC Cecílio / Katholíche Auslandsdeutsche Mission.  

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