2017
No passado, Maringá chegou a ter uma lei que tentou impor um prato típico. Na oportunidade sugeriu-se que o "porco no tacho" ocupasse tal função. Ocorre que esse prato não se é encontrado com facilidade pelos pontos gastronômicos da cidade, resultando na falência da proposta que não teve adesão popular.
No início desse ano, alguns vereadores apresentaram uma nova proposta. Dessa vez, a sugestão foi que o prato típico seja o "cachorro-quente prensado", conforme Projeto de Lei nº 14.105/2017. Como o assunto gerou questionamentos, tanto favoráveis quanto contrários, compartilhamos aqui um texto produzido pelo historiador da gerência de Patrimônio Histórico de Maringá, João Laércio Lopes Leal, que contextualiza o histórico e o diferencial desse prato da gastronomia popular local.
O LANCHE PRENSADO COMO PRATO TÍPICO DE MARINGÁ
A formação identitária de um povo ocorre de várias maneiras. No caso específico de Maringá, existem diversos ícones altamente significantes para seus habitantes, podendo citar entre eles: o plano urbanístico, o projeto de arborização, a canção Maringá, os sítios temáticos dos nomes de logradouros públicos e a valorização da condição pioneira dos colonizadores do município.
Esses exemplos demonstram o quanto determinada sociedade tem a capacidade de produzir e cultivar valores que lhe são caros. Mais importante que o sentido simbólico conferido pelo povo a esses elementos, é o uso prático feito por ele desse elenco de aspectos emblemáticos da cidade de Maringá, caso contrário não se sustentariam ao longo do tempo, caindo no desuso ou no ostracismo.
Se o maringaense não encontrasse facilidade para deslocar-se por entre as ruas e avenidas, não usufruísse das sombras das árvores ou do oxigênio produzido por elas, além de desfrutar das suas belezas, não apreciasse a música que leva o nome de sua cidade, não percebesse a harmonia das denominações dos locais públicos e gostasse disso, e exaltar com satisfação os primeiros moradores de Maringá, essas características não sobreviveriam no tempo, e já teriam desaparecido há muito.
Em última instância, é a população a entidade eleitora e consagradora das marcas urbanas e rurais que irão pontuar o repertório identitário do seu habitat. Se as dimensões simbólicas e utilitárias vierem combinadas, melhor para a perspectiva de durabilidade, caso contrário, o lado prático do uso acaba prevalecendo, relegando o alegórico ao plano secundário.
O mito e a ideologia não são eternos ou imortais, eles necessitam ser constantemente alimentados e cultuados, sob pena de verem suas sobrevivências ameaçadas, geralmente substituídos por um novo estandarte, mais novo e sedutor. No caso específico de Maringá, as insígnias anteriormente citadas são nutridas periodicamente por meio de desfiles cívicos, bailes, festivais, estátuas, homenagens, ações preservacionistas (tombamento), entre outras ações deliberadas.
Anúncio veiculado em Maringá nos jornais da década de 1960. Destaque para o plural de "carrinhos", ilustrando uma certa quantidade já existente pela cidade já naquela época.
Dentro dessa lógica e contexto de mapear os itens distintivos de Maringá, temos ainda a Catedral Nossa Senhora da Glória, o Parque do Ingá, a terra vermelha, o semáforo de ciclo visual e mais um punhado de objetos povoadores do imaginário local.
Considerado o primeiro food-truck de Maringá, o Ki-kão Lanches iniciou as atividades itinerantes em 1972. No início da década de 1980, o estabelecimento fixou endereço na avenida Herval esquina com a rua Néo Alves Martins.
No interior da ideia posta e desenvolvida, assistimos há cerca de 30 anos, o aparecimento de mais um fator inflexivo na história local, mais precisamente na cultura gastronômica popular. Trata-se do lanche prensado, variação do cachorro quente que, encontrou em Maringá um campo fértil para prosperar e se tornar o principal alimento consumido nas ruas e lanchonetes da cidade, superando os tradicionais salgados (pastéis, quibes, coxinhas e risólis), os sanduíches (cheeses) e outros alimentos congêneres.
Nascido na segunda metade da década de 1980, no cruzamento das avenidas Brasil e São Paulo, o lanche prensado surgiu do insight do proprietário de um carrinho de cachorro-quente localizado neste local, em prensar ou chapar o hot dog, aumentando assim o volume do sanduíche, além de incluir outros ingredientes não presentes no clássico fast food estadunidense.
É bom frisar que, Maringá não inventou a prensa, muito menos o cachorro-quente, porém, foi ela a responsável pela fusão desses dois elementos, criando a partir daí um terceiro produto, ou seja, o lanche prensado.
O resultado da equação originou um alimento intensamente consumido nas ruas de Maringá. Alguns números apontam para a existência de quase 200 pontos de comercialização, entre carrinhos móveis e estabelecimentos fixos. Alguns ingredientes se incorporaram, passando a serem indispensáveis no acompanhamento do lanche, caso da maionese verde (com cheiro verde) e da tubaína em garrafa.
O advento do “prensado” pelas vias públicas de Maringá, transformando-se num verdadeiro e inquestionável sucesso popular, pode ser considerado um dos maiores acontecimentos na cidade nos últimos 30 anos em termos de adesão maciça do público. O fenômeno gerou inclusive relações de fidelidade entre consumidor e fornecedor, havendo pessoas que somente comem lanches de determinado local. Sendo assim, denominações como: Baradel, Banzé, Negão, Fininho, Leonel, Ki-Gostoso, Bolota, King, Migus, Hollywood, Dub's, Nacional, Fortaleza, Claudia, Dony, Au-Au (onde teria surgido o lanche prensado), Tubarão, Batatu's, Di Magris, entre outras dezenas de locais de venda, tornaram-se instituições duradouras e de grande preferência do povo.
Convém observar outra característica desse alimento. Ele não é consumido apenas pela classe social mais baixa, ocorrendo situações em que estratos mais elevados da sociedade também apreciam tal comida. Não obstante, a parcela majoritária responsável pela consagração do lanche prensado provém das camadas sociais inferiores.
O triunfo do lanche prensado aconteceu em tal proporção, a ponto dessa experiência ser exportada para outras regiões do Brasil. Sabemos da presença dele em São Paulo-SP, Catalão-GO, Itapoá-SC, Guaratuba-PR, Curitiba-PR, São José dos Pinhais-PR e outras localidades. Particularmente em São Paulo-SP, a lanchonete chama-se “Dogão do Genésio – O Prensado de Maringá”, e em Catalão-GO, o estabelecimento, intitula-se “Prensado Maringá Lanches”, duas citações diretas ao lugar de origem do sanduíche.
Sabemos os motivos que levaram o lanche prensado a ser um assombro de sucesso comercial. Seria a rapidez do preparo, a praticidade, o baixo preço, mas acima de tudo, o sabor agradável e a sensação de saciedade ao devorá-lo. Inclusive, o seu consumo supera em larga escala os sanduíches elaborados pelas redes nacionais e internacionais situadas em Maringá.
Por ter sido criado naquilo que chamamos de tempo presente (por volta de 30 anos), o lanche prensado inscreve-se no conceito de “a moderna tradição maringaense”, onde não é preciso para historicamente se legitimar, ancorar-se no período de formação da cidade (anos 30, 40 e 50). O critério cronológico não pode anular as manifestações culturais contemporâneas, como se apenas o antigo fosse passível de preservação.
Fonte: Acervo Maringá Histórica / Gerência de Patrimônio Histórico de Maringá.
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